Os passos de Maria Madalena após a morte de Cristo
Num lugar mágico e pouco conhecido da França, reis e papas fizeram peregrinação à gruta onde, segundo a tradição provençal, a apóstola de Cristo teria vivido por 30 anos em estado de contemplação
Lendas sobre cavaleiros templários, antigas vertentes do cristianismo e a vida de Maria Madalena acham-se entrelaçadas no sul da França em regiões como Provença e Camargue. Esses lugares tornaram-se destinos de peregrinação em áreas de fascinante beleza e mistério. Alguns deles foram citados no O Código Da Vinci, livro de Dan Brown, mas outros são ainda pouco conhecidos, como a própria gruta onde teria vivido Maria Madalena, zelosamente guardada por um mosteiro de frades dominicanos (a santa é a padroeira da ordem). Muitas pessoas, depois de subir a montanha por trilhas estreitas, rios transparentes e florestas de faias e carvalhos, caem de joelhos diante da energia amorosa da gruta, chamada Sainte-Baume. “Seja pela fé dos peregrinos que passaram por ali durante 20 séculos ou porque Maria Madalena realmente meditou e orou naquele lugar, o fato é que ali há toda uma atmosfera de amor e recolhimento que preenche o coração”, afirma a jornalista francesa Frédèrique Jourdaa, que escreveu um livro sobre os passos da apóstola de Cristo pelo sul da França (Sur les Pas de Marie Madeleine). Muitos livros foram publicados sobre Maria Madalena nestes últimos anos. A razão desse súbito interesse seria a revelação de sua real história, contada em obras pioneiras como O Código Da Vinci e o Santo Graal e a Linhagem Sagrada. Segundo a maioria dos autores dessa corrente, Maria Madalena nunca teria sido prostituta, e sim uma apóstola muito influente de Cristo, pregadora e líder de uma das primeiras comunidades cristãs.
Mas, se essa história aconteceu realmente, por que ela teria sido encoberta? Existem várias respostas, de acordo com esses pesquisadores. Uma delas afirma que Maria Madalena teve tanta influência nas primeiras comunidades cristãs que seu poder começou a ser visto como ameaça por alguns apóstolos. Durante sua vida, Jesus deu grande espaço às mulheres, que, na Palestina de sua época, eram tidas como seres inferiores. Muitos de seus seguidores eram senhoras maravilhadas com seus ensinamentos de amor e igualdade. Esse grupo feminino sustentava Jesus e seus apóstolos fornecendo recursos para sua alimentação e abrigo. Suas integrantes, Maria Madalena entre elas, eram muito respeitadas. Diz a tradição que a santa era considerada o Apóstolo dos Apóstolos, tal sua influência. Até hoje, esse título é conferido a ela pela Igreja Católica Ortodoxa. Porém, depois da morte de Jesus, os grupos ligados às comunidades dos apóstolos Pedro e Paulo voltaram a seguir novamente os padrões patriarcais tradicionais judaicos e viam reticentes essa influência feminina. “As primeiras comunidades cristãs eram bastantes diferentes umas das outras. Havia diversos cristianismos que competiam entre si”, diz o pesquisador Juan Arias, autor do livro Maria Madalena, o Último Tabu do Cristianismo.
Além disso, segundo os evangelhos apócrifos encontrados em Nag Hammadi, no Egito, o cristianismo de Maria Madalena poderia ter tido uma notável influência gnóstica, corrente de pensamento místico pré-cristão nascida no Egito (em Alexandria). Segundo os gnósticos, Madalena e Jesus viveram o mistério da união sagrada (hieros gamos, em grego) não só integrando internamente seus lados feminino e masculino como unindo-se como casal.
Maria Madalena teria sido apóstola fiel
A posição influente de Madalena e o ciúme dos apóstolos foram documentados no evangelho gnóstico de Felipe, escrito no século 2 ou 3 depois de Cristo. Nessa escritura, o apóstolo Pedro chega a censurar o próprio Mestre por beijar Maria Madalena na boca na frente de todos, contrariando os costumes judaicos. Ainda segundo esses autores, Madalena era a apóstola que mais compreendia os ensinamentos profundos de Cristo, como se vê na obra gnóstica Pistis Sofia, escrita provavelmente no século 3. Alguns desses autores defendem a teoria de que para tentar deter a influência da apóstola, começou a ser disseminado o boato de que ela era a prostituta apedrejada descrita nos evangelhos. Esse engano só seria admitido pela Igreja Católica quase 2 mil anos depois, durante o Concílio Vaticano II. Após o Concílio, a Igreja apressou- se em corrigir as liturgias consagradas a Madalena. Hoje, nas missas de 22 de julho, o dia consagrado à santa pela Igreja Católica, se lê o Cântico do Cânticos, que fala da união sagrada entre a alma e Deus, e não mais a história do apedrejamento.
Madalena é mostrada atualmente pela Igreja Católica como uma mulher forte e corajosa. De fato, contam os evangelhos canônicos (aceitos pela Igreja) que Maria Madalena não tinha medo de seguir seu Mestre onde quer que fosse, e que esteve a seus pés durante a crucificação, afrontando todos os riscos, enquanto os apóstolos haviam se refugiado com medo de serem presos. Ela também não se amedrontou quando teve de ir ao sepulcro de madrugada, quando ainda estava escuro, para cuidar do corpo de seu mestre amado. Foi ela, inclusive, que anunciou aos apóstolos que Cristo havia ressuscitado e a quem o Messias apareceu em primeiro lugar depois de morto, indicando a sua notável distinção entre todos.
Maria Madalena, esposa de Jesus
Mas as teorias não param por aí. A mais polêmica delas é a que assegura que Maria Madalena teria sido, além de devotada apóstola, a esposa de Jesus. Margaret Starbird é a grande defensora dessa ideia em seus dois livros, A Noiva no Exílio e Maria Madalena e o Santo Graal. Escreveu Margaret: “Ela não era a pecadora penitente, mas a consorte, a noiva, a rainha”. O pesquisador Juan Arias também defende esse ponto de vista, afirmando que, de acordo com tradições judaicas da época, era impossível um rabino como Jesus não ser casado. No século 1, quando Jesus viveu, o casamento era praticamente obrigatório entre os judeus.
Uma das outras respostas sobre o motivo desse segredo sugere que a história foi ocultada para proteger Maria Madalena e os possíveis descendentes de Jesus. Muitos pesquisadores sustentam que Madalena fugiu para a Gália, atual França, para escapar das perseguições realizadas aos primeiros cristãos. Nessa versão, a apóstola, seu irmão Lázaro, sua irmã Marta, José de Arimateia, as discípulas Maria Jacobeia e Maria Salomé, entre outros, chegaram de barco em Saintes- Maries-de-la-Mer e depois seguiram para o interior da França. É ainda nessa cidade que os ciganos do mundo inteiro vêm todos os anos em peregrinação a Santa Sara. De acordo com lendas locais e com o autor de O Código Da Vinci, Sara era filha de Jesus e Maria Madalena – e a ancestral dos reis merovíngeos franceses.
As histórias provençais dizem que a apóstola, depois de pregar ao lado de Lázaro e Marta em várias cidades da Gália, se recolheu numa gruta nos últimos 30 anos de sua vida. A santa teria morrido aos 64 anos, e ainda hoje, na Basílica de São Maximiniano, podem ser vistos seus ossos ou, pelo menos, os de uma mulher de origem mediterrânea de 1,57 m de altura que viveu no século I depois de Cristo, conforme testes recentes realizados por cientistas. Mesmo que se considere que a história de amor vivida entre Jesus e Maria Madalena não passe de fantasia, como querem pesquisadores como Amy Welborn em seu livro Decodificando Maria Madalena, isso não quer dizer que esses autores deixem de reconhecer a notável influência e importância da apóstola de Jesus. “As teorias da Madalena- Esposa-Rainha-Deusa-Santo Graal não constituem história séria”, diz a pesquisadora católica Amy Welborn. “Mas podemos olhar para Maria Madalena como uma grande mulher e santa, um modelo para todos nós.”
Fonte:https://casa.abril.com.br/bem-estar/os-passos-de-maria-madalena-apos-a-morte-de-cristo/
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