O QUE VOCÊ AINDA NÃO SABIA SOBRE MARIA MADALENA E SUA RELAÇÃO CONTROVERSA COM JESUS

  

Rooney Mara interpreta Maria Madalena  (Foto: Divulgação)

Rooney Mara interpreta Maria Madalena (Foto: Divulgação)


O que você ainda não sabia sobre Maria Madalena e sua relação com Jesus

Pecadora, prostituta e impura ou santa, fiel e seguidora mais querida de Jesus? A vida e história de Maria Madalena continua um mistério que instiga os historiadores

  • VITÓRIA BATISTOTI*
 ATUALIZADO EM 

Cristão ou não, todo mundo já ouviu falar sobre as principais histórias bíblicas e seus  personagens, tais como Jesus, seus pais, Maria e José, os doze Apóstolos, e o anjo Gabriel, por exemplo.

Há também quem tenha escutado falar sobre uma certa Maria Madalena, mulher que já foi pintada pelos fiéis como prostituta e como santa. Para os pesquisadores, sua trajetória era envolvida em mistério.  

Quem sabe agora tenhamos mais respostas sobre essa mulher, já que no mês de março as telonas e as livrarias ganham duas inusitadas produções que revistam a vida de Maria Madalena.

O filme Maria Madalena, com roteiro de Helen Edmundson e Philippa Goslett, acompanha a trajetória da personalidade histórica, interpretada por Rooney Mara, que luta contra o destino dado às mulheres da época. É a chegada de Jesus, vivido por Joaquin Phoenix, que lhe traz esperanças de mudanças.

Além da obra de ficção inspirada em fatos históricos, nesse mesmo mês, a editora Zahar lança a biografia Maria Madalena - Da Bíblia ao Código da Vinci: Companheira de Jesus, Deusa, Prostituta, Ícone Feminista, escrita pelo historiador Michael Haag. O autor perpassa por diversos momentos da história do messias e analisa o relacionamento que ele construiu com Maria Madalena, além de estudar as formas que ela foi interpretadas por diferentes correntes religiosas e em distintos momentos históricos, desconstruindo mitos e preconceitos.

Com base em outros historiadores, em pesquisas arqueológicas e naquilo que consta na Bíblia, Haag sintetiza, em 315 páginas, tudo o que você precisa saber sobre Maria Madalena. Separamos algumas dessas curiosidades logo abaixo:

Pecadora?
É muito provável que você conheça Maria Madalena como uma prostituta ou uma mulher pecadora, até porque foi assim que ela foi retratada pela Igreja Católica entre os anos de 591 até 1969. Essa foi uma escolha tomada pelo padre Gregório I, que utilizava o seguinte trecho bíblico para falar dela:

“E eis que uma mulher da cidade, que era uma pecadora, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com bálsamo e colocou-se a seus pés por trás dele, chorando, e começou a lançar seus pés com lágrimas, e os enxugava com os cabelos de sua cabeça, e beijou seus pés, e os ungiu com o unguento... E ele disse a ela: ‘Os teus pecados estão perdoados’.”

Por todo esse tempo, Maria Madalena foi essa mulher para a Igreja – e também para as reproduções artísticas da narrativa bíblica, tais como nos filmes A Última Tentação de Cristo (1988) e A Paixão de Cristo (2004), em que é representada como uma adúltera.

Cena do filme A Última Tentação de Cristo (1988) (Foto: Divulgação)

Cena do filme A Última Tentação de Cristo, de 1988 (Foto: Divulgação)


Santa?
Apesar dessa roupagem negativa, Maria Madalena não foi vista como uma pecadora por todos. Em algumas outras vertentes religiosas cristãs, a mulher seria a esposa de Jesus e até a mãe de seu filho. Quem nutria esse pensamento eram os cátaros, povo que vivia no sul da França durante a Idade Média.

Essa hipótese foi pano de fundo do escritor Dan Brown ao escrever o livro O Código da Vinci, em que narra um secreto relacionamento entre Jesus e Maria Madalena retratado secretamente em obras do artista renascentista Leonardo da Vinci.

Essa teoria ganhou mais força em 2012, quando a historiadora Karen King, professora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, encontrou um pergaminho com inscrições em copta, antiga língua falada no Egito, que trazia inscrições que indicam que Jesus teria uma esposa. Após ir ao público e causar furor, porém, a pesquisadora foi confrontada com a alegação de que o conteúdo era falsificado.

'A Madalena'
A formação do nome dessa mulher é um tanto quanto polêmica. No grego original dos evangelhos, ela nunca é 'Maria Madalena'. Na verdade, ela é descrita como 'Maria, chamada Madalena', ou 'Maria, a Madalena', como se o segundo nome fosse dado à ela como um título.

A suposição que muitos pesquisadores fazem é que esse título seja referente à sua origem, embora essa informação não conste no Novo Testamento. A hipótese é que ela seja Maria, de Magdala, uma aldeia frequentemente descrita por viajantes como um local insalubre, miserável e pobre.

A aldeia de Magdala (Mejdal, em árabe), estava situada onde hoje é o Iraque, ao noroeste das marges do mar da Galileia. O espaço existe até hoje e há de se dizer que ele continua com as mesmas condições difíceis de outrora.

Porém, mesmo precária, é possível que Magdala tenha sido uma cidade que floresceu e prosperou durante a época de Jesus. Expedições e pesquisas arqueológicas que estão acontecendo por lá atualmente dão indícios disso.

Hoje, acredita-se que Magdala foi uma cidade helenística, fundada em 2 a.C por uma dinastia judaica independente chamada hasmoneus.

Pintura de Magdala entre 1890 a 1900, de autor desconhecido (Foto: Reprodução)

Pintura de Magdala entre 1890 a 1900, de autor desconhecido (Foto: Reprodução)


Ao lado de Jesus
Pode ser até que haja discordâncias sobre Maria Madaleta ter sido esposa ou não de Jesus, mas é unânime que ela foi, ao menos, uma grande companheira do profeta. Conforme relata Haag em sua obra, a mulher esteve com Jesus na Galileia, enquanto ele anunciava o reino de Deus aos seus discípulos.

Ela também o acompanhou quando ele e seus discípulos viajaram para Jerusalém e ingressaram na cidade santa; e até quando os romanos pregaram o corpo de Jesus na cruz.

Maria Madalena também acompanhou o transporte do corpo para a tumba e foi ela quem avistou, no terceiro dia, que o túmulo estava vazio. De acordo com a tradição cristã, foi Maria Madalena quem testemunhou a ressurreição e recebeu a primeira aparição de Jesus.

Apesar de toda essa importância, ela é mencionada pelo seu nome apenas 14 vezes na Bíblia. 

“Como mulher e companheira de Jesus, ela é a única pessoa perto dele nos momentos críticos que definem seu propósito, que descrevem seu destino e que darão origem a uma nova religião; ela ajuda a apoiar Jesus em suas obras, é totalmente destemida e é uma mulher de visão. Sua personagem detém o segredo de seu nome. No início há Jesus e Maria, chamada Madalena”, escreve Haag.

A cura dos enfermos
A primeira vez que Maria Madalena é citada nas escrituras bíblicas é quando Jesus está empreendendo sua viagem pela Galileia e algumas mulheres chegam até ele para serem curadas. Uma delas é Maria Madalena, de que saem sete demônios, como escreve o discípulo Lucas.

É por conta desses 'sete demônios' que saem de dentro de si que Maria Madalena passou a ser associada como uma mulher impura e atormentada. No entanto, conforme explica Haag, esse termo 'demônio' é utilizado ao longo de toda a escritura bíblica para narrar episódios em que Jesus trata de enfermos. Os demônios saiam e a pessoa ficava saudável de novo.

A gravura Maria Madalena (1926), de Eric Gill, retrata o momento em que a mulher unge Jesus em Betânia (Foto: Reprodução)

A gravura Maria Madalena (1926), de Eric Gill, retrata o momento em que a mulher unge Jesus em Betânia (Foto: Reprodução)

Participação de mulheres
Após ser tratada, Maria Madalena decide acompanhar Jesus e seus apóstolos ajudando-os com cuidados e alimentação necessários para dar prosseguimento à jornada. Junto a ela ia também outros indivíduos do sexo feminino, como Joana, Suzana e outras mulheres, conforme descreve Lucas em seu Evangelho.

Ao integrar o grupo, Maria Madalena é citada em alguns poucos episódios, porém, mesmo que curtos e breves, eles trazem dicas que indicam um pouco sobre sua vida, seu caráter e seu relacionamento com Jesus.

Exemplo disso é o episódio durante a semana da Páscoa, em que Jesus e seus discípulos estão em alojamentos em Betânia e uma mulher entra com um vaso de alabastro e unguento de grande valor e derrama sobre a cabeça do messias. Diversos Evangelhos descrevem a situação, mas nunca citam o nome da mulher misteriosa, que é Maria Madalena.

Outro caso é durante a Última Ceia, quando Jesus e seus apóstolos estão realizando o banquete final. De acordo com Haarg, não há nenhuma razão para não crer que as mulheres que empreendiam a viagem para o reino de Deus também não estivessem ali participando do jantar.

À frente do tempo
Como citado anteriormente, Maria Madalena e outras mulheres acompanharam Jesus e seus discípulos ao longo das viagens pela Galileia.

No entanto, para que Maria Madalena e essas outras personagens femininas pudessem empreender a trajetória para a criação do reino de Deus, elas teriam que ser radicias e burlar as regras estabelecidas para mulheres durante aquela época, pois não havia condições para que elas pudessem participar daquele movimento, exceto se pudessem viver de forma independente de seus laços familiares.

"As restrições sobre as mulheres judias na Palestina eram bastante severas na época de Maria Madalena, momento em que o judaísmo esteve mais ferozmente empenhado na luta para preservar sua identidade contra as influências da cultura helenística [...]. As mulheres judaicas da Judeia e da Galileia estavam sujeitas a interpretações cada vez mais rigorosas da Torá e a regras ainda mais elaboradas", descreve Haag.

A sociedade da Palestina durante o século primeiro era uma das mais patriarcais e conservadoras de todas, de forma que era muito difícil para uma mulher ter uma vida independente.

Em grande parte, as mulheres judias estavam restritas às tarefas domésticas e eram legalmente propriedade dos homens: de seus pais enquanto não eram casadas, depois passavam a ser de seus maridos. Elas não tinham autorização para receber educação e caso precisassem de alguma renda para complementar os recursos do lar, elas deveriam realizar atividades domésticas.

A explicação do historiador judaico-romano Josefo, do século primeiro, diz muito bem sobre isso: “A mulher, diz a lei, é em todas as coisas e inferior ao homem. Deixem-na, portanto, ser submissa, não para sua humilhação, mas para que ela possa ser dirigida; porque autoridade foi dada por Deus para o homem".

Assim, uma das únicas formas prováveis para uma mulher ser independente financeiramente naquela época seria o divórcio (por parte do homem) ou a viuvez, principalmente se a mulher pertencesse ae uma família de classe alta.

Visto isso, para que Maria Madalena e essas outras mulheres participassem desse movimento, elas eram independentes financeira e socialmente. Haag também acrescenta e diz que foram elas quem sustentaram a viagem de Jesus e dos discípulos com seus próprios recursos financeiros. Eram elas que providenciaram a alimentação do grupo, as roupas e tudo o que fosse necessário para a manutenção das viagens.

Para isso ser possível, muitos historiadores acreditam que Maria Madalena advinha de uma família abastada.

Maria Madalena, obra de Leonardo da Vinci (Foto: Reprodução)

Maria Madalena, obra de Leonardo da Vinci (Foto: Reprodução)

Casamento de Maria Madalena?
Foi em uma festa de casamento em Caná, na Galileia, em que Jesus realizou seu primeiro milagre: transformou água em vinho.

Não é mencionado nas escrituras quem é casal que estava realizando a comunhão, mas alguns comentaristas bíblicos, historiadores e o teólogo São Jerônimo, do século 9, acreditam que o casamento é de Maria Madalena e João Evangelista, o autor do quarto evangelho. Segundo é contato nas escrituras, João Evangelista é conhecido por ter abandonado sua noiva para unir-se à Jesus e anunciar o reino de Deus, tornando-se um dos 12 discípulos do messias.

Mas há também indícios no Evangelho de João de que o casamento era do próprio Jesus com Maria Madalena.

De acordo com Haag, não seria incomum imaginar que Jesus fosse casado, até porque era difícil um homem da idade dele não ter uma companheira naquela época.

"Jesus era descontraído em relação a abluções rituais e dieta; [...] gostava de comida, bebida e boa conversa; era espirituoso e afiado; sentia-se à vontade com as mulheres e se autodepreciava; mas tinha uma intensidade e uma aura que o faziam muito atraente. Fossem Jesus e Maria Madalena casados, isso explicaria a intimidade entre eles, sua companhia constante, sua presença na crucificação e, sobretudo, a sua visita à tumba no terceiro dia levando especiarias para ungir seu corpo nu, uma tarefa assumida por uma esposa", escreve Haag.

Após a ressurreição
Um dos episódios mais emblemáticos e que indica uma relação próxima entre Maria Madalena e Jesus acontece após a crucificação.

Após presenciar o ato, é Maria Madalena quem vai visitar a tumba passados três dias do episódio.

Seu retorno ao túmulo de Jesus faz parte de uma antiga tradição judaica de se conferir se o morto estava realmente morto. Porém, além de fazê-lo, seu outro propósito da visitar era ungir o corpo de Jesus.

“No terceiro dia, ela foi à tumba para ungir o corpo de um homem nu, algo que nenhuma mulher poderia fazer a não ser que fosse um parente muito próximo. Jesus tinha uma mãe, ele tinha irmãs, tinha outros parentes, qualquer um dos quais poderia ter realizado esses deveres familiares. No entanto, foi Maria Madalena quem foi até a tumba no terceiro dia”, escreve o historiador.

A ressurreição, xilogravura de 1917 do artista Eric Gill. Ela retrata o momento em que Maria Madalea descobre que a tumba de Jesus está vazia (Foto: Reprodução)

A ressurreição, xilogravura de 1917 do artista Eric Gill. Ela retrata o momento em que Maria Madalea descobre que a tumba de Jesus está vazia (Foto: Reprodução)

Logo após ir de encontro à tumba de Jesus e não encontrar seu corpo, Maria Madalena se depara com um jardineiro que na verdade é Jesus reencarnado. Esse é o último momento em que ela aparece nas narrativas bíblicas e é a última vez em que se ouve falar de Maria Madalena. Ela não aparece mais na Bíblia, nas epístolas de Paulo e no Livro dos Atos dos Apóstolos

Só se tem outros sinais do paradeiros e da vida de Maria Madalena em Evangelhos posteriores.

Versão oficial
No ano de 591 d.C, o padre Gregório pronunciou na Basília de São Clemente, em Roma, a identidade que Maria Madalena iria assumir na visão da Igreja e que perduraria por muito tempo: a de uma prostituta, uma mulher pecadora, uma figura submissa e cheia de arrependimento. Ela seria o oposto da mãe de Jesus, Maria, virgem e pura.

No entanto, para correntes gnósticas, Maria Madalena foi retratada como uma mulher visionária e herdeira de luz. Em alguns dos evangelhos gnósticos, ela assume um papel de líder diante dos outros apóstolos; ela é o discípulo que Jesus mais ama, o único que compreende a verdadeira natureza e ensinamentos do mestre.

Em particular para os gnósticos cátaros, Maria Madalena era uma figura pecadora, mas que é perdoada por Jesus e adorada por ele. Isso é descrito no manuscrito A Legenda Áurea, escrito em 1275 pelo bispo Jacobus de Voragine, de Gênova.

Voragine a descreve exatamente como aquilo que foi estabelecido pelo papa Gregório: ela é pecadora, e sua vida é baseada em culpa e arrependimento. Mas ele se baseia em outra tradição. A Maria Madalena de Voragine era de origem nobre e seus pais eram descendentes de reis, de forma que a mulher seria herdeira de uma parte considerável de Jerusalém. Mas Maria Madalena se entregou “totalmente aos prazeres da carne” e seu nome foi esquecido, passando a ser chamada de ‘a pecadora’. Porém, isso muda após conhecer Jesus.

“O que Voragine diz é que depois que Maria Madalena se jogou aos pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu, e depois que perdoou seus pecados e expulsou dela os setes demônios, Jesus a inflamou de amor por ele. Ela viajou ao seu lado e cuidou de suas necessidades em todos os momentos. Parou junto dele ao pé da cruz, e na sua ressurreição ele apareceu a ela e fez dela o “apóstolo dos apóstolos”, escreve o historiador Haag.

Nessa tradição cristã francesa, após a crucificação de Jesus, Maria Madalena navegou até Marselha, onde convenceu o governador da província a destruir templos pagãos e construir igrejas.

Porém, para o Vaticano, Maria Madalena foi retratada como pecadora até 1969, ano em que a Igreja Católica Romana deixou de reconhecê-la como uma mulher impura e decretou que ela seria venerada como um discípulo. No entanto, sem nenhum pedido de desculpas ou lhe garantir o devido destaque histórico que merecia. 

* Com a supervisão de Thiago Tanji. 


Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2018/03/o-que-voce-ainda-nao-sabia-sobre-maria-madalena-e-sua-relacao-com-jesus.html

  • ISABELA MOREIRA
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Manuscrito alega que Jesus teria se casado com Maria Madalena (Foto: Reprodução)

Manuscrito alega que Jesus teria se casado com Maria Madalena (Foto: Reprodução)

Em 2012, a historiadora Karen King, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, descobriu um papiro com inscrições que supostamente indicam que Jesus teria uma esposa. O fragmento foi escrito em copta, um idioma do Egito Antigo, há 1200 anos.

Especialistas na língua extinta conseguiram traduzir algumas passagens, dentro das quais haviam dizeres como “Maria é merecedora disso”, “Jesus disse a eles: ‘Minha esposa…” e “...ela será a minha discípula”. 

A partir de tais indícios, os pesquisadores deram ao trecho descoberto o nome de “Evangelho da Esposa de Jesus” e presumiram que a Maria em questão seria a Madalena e que, de acordo com o texto, ela seria a esposa de Jesus.

A comunidade científica logo começou a desconfiar da descoberta. A principal inconsistência apontada por acadêmicos foi o fato de Karen King ter conseguido o papiro de uma fonte anônima, o que torna a autenticidade do material muito questionável.

O pesquisador alemão Christian Askeland, do Instituto de Pesquisa Bíblica em Wuppertal, na Alemanha, foi o primeiro a questionar a descoberta com argumentos científicos. Segundo ele, tanto o Evangelho da Esposa de Jesus quanto o Papiro P52, fragmento descoberto em 1920 que contém parte de um capítulo do Evangelho segundo João, seriam fraudes.

Evangelho da Esposa de Jesus, documento que supostamente indicaria que Jesus foi casado com Maria Madalena (Foto: Karen King)

Evangelho da Esposa de Jesus, documento que supostamente indicaria que Jesus foi casado com Maria Madalena (Foto: Karen King)

Askeland argumenta que os dois papiros possuem restos de radiocarbono, o que sugere que ambos foram escritos pelo mesmo artista. Com isso, pesquisadores da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, deram início a uma série de testes relacionados a tinta usada nos trechos. “No primeiro teste que realizamos percebemos que as tintas usadas nos dois documentos são, na verdade, bem diferentes”, afirma James Yardley, da Universidade de Columbia. O pesquisador acredita que o Evangelho da Esposa de Jesus é verdadeiro e que isso pode mudar a forma como as pessoas veem os dogmas do catolicismo.

“Esse fragmento do Evangelho nos dá um motivo para reconsiderar o que pensávamos saber sobre o status conjugal de Jesus e as controvérsias que isso gerou na forma que os cristãos lidam com casamento, celibato e família”, disse Karen King, em 2012, na época de sua descoberta.

Com todo esse burburinho em torno dos papiros, mais uma questão foi levantada: os trechos, por si só, não são evidência o suficiente para provar que Maria Madalena era a esposa sobre quem falava o Evangelho. A nova hipótese da comunidade acadêmica, no momento, é que Jesus de fato tinha uma esposa, mas que não era Maria Madalena. Ela, no caso, seria somente a discípula do Messias.

A equipe de pesquisa da Universidade de Columbia segue realizando testes e estudando os materiais e pretende dar uma chance para Askeland refutar os resultados e reforçar a sua própria teoria com base em novos argumentos. Os próximos capítulos prometem ser bem interessantes.

Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2015/08/novas-evidencias-mostram-que-jesus-tinha-uma-esposa-e-nao-era-maria-madalena.html

  • HUMBERTO ABDO
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(Foto: Revista Galileu)

Nutridas por boatos e muitos fãs, algumas figuras públicas continuam notórias com o passar dos anos. Mas existe um personagem que, mesmo após mais de dois milênios, continua encantando o público. Você já ouviu seu nome antes: de uma forma ou de outra, todos já foram apresentados a Jesus de Nazaré. Mas descrever seu passado em detalhes é um desafio que também resiste ao tempo.

Lançado em 2015 no Brasil, o livro Em busca de Jesus (Objetiva) reúne as mais recentes tentativas de reconstituir a vida do famoso filho de Deus e mostra que esse ainda é um tema bem popular. A partir de seis relíquias encontradas nos últimos anos, os autores David Gibson e Michael McKinley analisaram pesquisas e argumentos de profissionais envolvidos na busca pelo misterioso homem nascido em Nazaré e crucificado na província romana da Judeia, região da atual Cisjordânia.

história de Jesus é formada por pouquíssimas informações comprovadas por cientistas ou especialistas, mas já existem algumas certezas. “Acredita-se que Jesus só sabia falar aramaico e muito provavelmente era analfabeto”, diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de Jesus histórico: uma brevíssima introdução. “Ele viveu e morreu como judeu de origem campesina; o cristianismo que conhecemos hoje é um movimento posterior àquela época.”

Através da reconstrução facial de crânios encontrados perto de Jerusalém, especialistas estabeleceram como seria a verdadeira aparência física de um morador típico da região. Diferentemente do homem branco, alto e de olhos azuis idealizado pelos artistas, é mais provável que Jesus tenha sido moreno, de olhos castanhos, cabelo curto e estatura baixa: um judeu comum nascido no Oriente Médio.

Sobre seu local de nascimento, os teólogos insistem em Belém, terra natal de Davi, um dos antigos reis de Israel. “Mas nada favorece essa versão, e do ponto de vista histórico não há dúvidas: Jesus é nazareno”, afirma Chevitarese.

Diferentemente do homem branco, alto e de olhos azuis idealizado pelos artistas... (Foto: Revista Galileu)

Diferentemente do homem branco, alto e de olhos azuis idealizado pelos artistas... (Foto: Revista Galileu)

PLOT TWIST BÍBLICO

Enquanto o mundo se concentrava nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial, em 1945, um camponês foi responsável pela descoberta de 13 manuscritos encontrados no Egito. Eles ficariam conhecidos mais tarde como Biblioteca de Nag Hammadi, nome da cidade onde foram localizados. Historiadores confirmaram que a data estimada dos textos corresponde ao século 4 e que são traduções de originais em grego. “São achados cruciais para a compreensão do cristianismo em seu período de formação e demonstram a existência dessa pluralidade de manifestações religiosas nos quatro primeiros séculos”, explica Vagner Porto, professor de arqueologia clássica da USP.

Boa parte desses papiros, escritos em copta (mistura dos idiomas grego e egípcio), estava ligada ao movimento cristão conhecido por gnosticismo. “Os ensinamentos gnósticos diferem na crença de que cada um é responsável por seus atos e por sua própria salvação espiritual”, explica Karlos Bunn, presidente da Igreja Gnóstica do Brasil.

Judas Iscariotes e Maria Madalena exerceram papéis decisivos na trajetória de Jesus. Seus possíveis Evangelhos foram encontrados em péssimas condições, e hoje são considerados textos gnósticos. A primeira aparição do Evangelho de Maria foi registrada em 1896, mas uma sequência de atrasos — incluindo um cano de água estourado na casa de uma editora e a eclosão da Primeira Guerra Mundial — fez que ele só fosse publicado em 1955, com algumas páginas perdidas e bastante deteriorado.

Assim como certos textos de Nag Hammadi, esses fragmentos apresentavam Maria como grande seguidora dos ensinamentos de Jesus. “O conceito de Maria Madalena como a discípula amada indica que um grupo de cristãos do primeiro século a considerava uma das líderes desse movimento”, disse Paulo Roberto Garcia, professor de teologia e ciências da religião na Universidade Metodista de São Paulo. Não existe, contudo, confirmação de que os manuscritos se refiram a Maria Madalena no lugar da própria mãe de Jesus.

Já o Evangelho de Judas, identificado nos anos 1970 por dois agricultores, foi recuperado após um roubo repentino e examinado pela primeira vez em 1983. Nos anos 2000, passou por um processo de restauração, e 85% do material foi preservado. De início, o documento foi divulgado como um plot twist, isto é, uma reviravolta na história. O texto conta a redenção de Judas, afirmando que teria sido o mais fiel dos seguidores e que cumprira ordens de Jesus para ajudá-lo a livrar-se de seu corpo após a morte. “O problema foi todo o sensacionalismo empregado na tradução, trabalhada com a expectativa de mudar o papel de Judas”, disse Garcia. “Um dos textos diz que ele subiria aos céus pelo que fez, sendo que dois dos tradutores concordaram que a versão correta teria sido ‘não subiria’, por exemplo.”

Para muitos dos arqueólogos e historiadores envolvidos na busca por evidências que remontem, de alguma forma, ao passado de Jesus, é pouco provável que objetos relacionados a sua história continuem a aparecer nos próximos anos. “Hoje as pesquisas não se concentram tanto em itens que pertenceram a Jesus”, diz Chevitarese. “O objetivo maior é conhecer o ambiente físico, geográfico e político dele, além de suas crenças, seus amigos, inimigos e, sobretudo, quem foi ele.”

APP EM NOME DE JESUS

A suposta urna funerária com os ossos de Tiago, um dos 12 apóstolos, desperta algumas dessas características. “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”, diziam as inscrições do ossuário, em aramaico. Oded Golan, colecionador de antiguidades pouco familiarizado com religião, afirma ter comprado o objeto em Israel, nos anos 1970, no início sem assimilar seu verdadeiro significado.

Uma análise de escrita feita em 2002 sugeriu que a segunda parte das inscrições teria sido gravada pelas mãos de outro escriba. “Supondo que Tiago tenha morrido na década de 40 do século 1, Jesus já teria de ser uma figura reconhecida em todo o ambiente da Judeia para que seu nome fosse agregado como forma de distinção, mas Jesus de Nazaré só se torna amplamente conhecido um século e meio depois”, disse Chevitarese. “A frase gravada refere-se a Jesus de Nazaré? Tiago foi seu irmão? Maria foi, como dizem, virgem a vida inteira, ou teve outros filhos?”, pergunta McKinley no livro. Sem a chance de confirmar se o artefato é genuíno, essas dúvidas devem continuar sem respostas.

Objetos que um dia estiveram em contato com Jesus até hoje provocam fascinação. Nos tempos da Idade Média, eles movimentaram um comércio bem incomum. Imitações de artefatos eram fabricadas com mais frequência do que os arqueólogos contemporâ­neos gostariam de admitir. “Para explorar a crença popular, encorajava-se a ideia de que possuir uma relíquia traria bênçãos e também serviria como amuleto”, diz Garcia.

“Esse fragmento do Evangelho nos dá um motivo para reconsiderar o que pensávamos saber sobre o status conjugal de Jesus e as controvérsias que isso gerou na forma que os cristãos lidam com casamento, celibato e família”, disse Karen King, em 2012, na época de sua descoberta.

Um deles é o Sudário de Turim, o manto que teria envolvido o corpo de Jesus. Atualmente, o objeto descansa numa capela no norte da Itália, equipada com controle de temperatura e vidro à prova de balas. A peça de linho retangular exibe manchas de sangue e vincos equivalentes a um rosto. É o artefato mais bem documentado de todos, mencionado nos quatro Evangelhos e nos Livros Apócrifos (relatos de Cristo não reconhecidos pela Igreja).

A relíquia também repousa em milhões de celulares e tablets espalhados pelo planeta: embora o Vaticano não tenha se posicionado enfaticamente sobre o assunto, aproveitou para lançar, em 2013, o primeiro aplicativo dedicado ao Santo Sudário. O Shroud 2.0 permite ampliar a imagem para uma análise mais detalhada do pano — sem ter de viajar até a Itália.

...é mais provável que Jesus tenha sido moreno, de olhos castanhos e cabelo curto (Foto: André Toma/ Editora Globo)

...é mais provável que Jesus tenha sido moreno, de olhos castanhos e cabelo curto (Foto: André Toma/ Editora Globo)

HOMEM PROCURADO

Várias análises do manto foram realizadas e comprovaram que o material realmente cobriu o corpo de um ser humano e que as manchas de sangue eram de fato compostas por hemoglobina. Um estudo publicado em 2014 na revista científica Injury também aponta que os ferimentos sofridos por esse indivíduo correspondem aos de uma crucificação. Apesar dos resultados, a data do manto — muito distante dos anos vividos por Jesus Cristo — ainda é um contra-argumento forte. “O maior desafio é conseguir permissão para novos testes”, explica McKinley. “O Sudário provavelmente permanecerá atrás de um vidro blindado para sempre.

A aparição desses objetos, relacionados a períodos tão distantes, simboliza a caçada interminável a possíveis referências de Jesus como figura histórica. “Resultado de uma percepção sustentada exclusivamente pelo ponto de vista científico, com análises da história, arqueologia e sociologia”, explica Chevitarese.

Talvez o discernimento científico explique a desconfiança inicial de Karen King, professora da Universidade Harvard, quando um colecionador anônimo resolveu entrar em contato, convencido de que havia encontrado o papiro do Evangelho da Esposa de Jesus, como seria chamado mais tarde. Apesar do nome chamativo, o achado — um pequeno fragmento bastante deteriorado — não tem qualquer relação com o Evangelho de Maria, texto gnóstico encontrado décadas antes, e tampouco reforça hipóteses de que Jesus tivesse sido casado. Em 14 linhas, o manuscrito parece debater a real necessidade do celibato na religião cristã, reflexão inédita nos demais Evangelhos canônicos.

RESISTENTES AO TEMPO

“A questão principal do papiro é assegurar que mulheres casadas e com filhos também possam ser discípulas de Jesus — uma discussão frequente nos tempos do cristianismo primitivo, conforme a virgindade celibatária passava a ser mais valorizada”, disse Karen em relatório divulgado pela Harvard Divinity School.

Após a publicação de sua análise ter sido desconsiderada por uma porção de estudiosos, Karen reforçou a veracidade do documento com o resultado de exames feitos ao longo de dois anos, até a confirmação em abril de 2014: o material não era uma imitação moderna e foi escrito entre os séculos 6 e 9. Entretanto, não existe consenso sobre os significados desse pequeno pedaço de história, talvez pelo seu estado de conservação ou pelo conteúdo incompleto do texto. Mas to­das as características são compatíveis com a longa e constante busca por Jesus: fragmentadas, ambíguas e, ainda assim, resistentes ao tempo.

AS OITO RELÍQUIAS
Os artefatos que ajudam a entender o que era a Judeia no século 1EVANGELHO DA ESPOSA DE JESUS
Escrito em copta, questiona a necessidade do celibato no cristianismo.
COMO FOI ACHADO
Colecionador anônimo comprou das mãos de um negociante alemão.
 BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI
A coleção de papiros inclui Evangelhos, como os de Tomé e de Filipe.
COMO FOI ACHADO
Por um camponês egípcio que fazia escavações nos arredores à beira do rio Nilo.
 EVANGELHO DE MARIA
Publicado em 1955, o texto gnóstico reforça a presença da discípula em vários momentos da vida de Jesus.
COMO FOI ACHADO
O estudioso alemão Karl Reinhardt comprou em 1986 o documento original, que encontrou na aldeia de Akhmin, no Alto Egito, no Cairo.
 EVANGELHO DE JUDAS
A descoberta de seu Evangelho continua a confundir: Judas traiu mesmo Jesus?
COMO FOI ACHADO
Dois agricultores encontraram o manuscrito no final dos anos 1970, no sul da cidade do Cairo.
 RELICÁRIO DE MÁRMORE DE JOÃO BATISTA
Fragmentos de ossos de um homem que viveu no Oriente Médio, sem provas de que eram de João Batista.
COMO FOI ACHADO
Em 2010, durante buscas nas ruínas de uma basílica do século 5, na Bulgária.
 SANTO SUDÁRIO
O manto sagrado pode ter sido usado para cobrir o corpo de Jesus — ou para colocar essa ideia na cabeça de fiéis.
COMO FOI ACHADO
As referências são antigas e muito vagas, mas o manto voltou a aparecer na França no século 14.
 URNA FUNERÁRIA COM OSSUÁRIO DE TIAGO
Urna onde se lê “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” significaria que o messias teve um irmão.
COMO FOI ACHADO
Foi comprada em Haifa, em Israel, nos anos 1970.PEDAÇO DA CRUZ
Como o próprio nome diz, seria um pedaço da cruz em que Jesus foi crucificado.
COMO FOI ACHADO
Em 2013, arqueólogos alegaram ter encontrado o pedaço durante uma escavação no norte da Turquia.

Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/08/novas-descobertas-sobre-verdade-historica-de-jesus.html

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